sábado, 20 de agosto de 2011

 

Caso Clínico 24/08/2011

Um residente de medicina de 40 anos, previamente saudável, se apresentou com uma história de febre e fadiga há 3 semanas. Ele trabalhava em um hospital público.

Apesar da longa lista de causas de fadiga e febre, devemos nos preocupar mais com a possibilidade de uma doença relacionada com um germe adquirido no hospital, desde que o paciente é médico. Fadiga pode ser causada por muitas doenças de diferentes órgãos e sistemas, sendo um sintoma altamente inespecífico, presente em 1 a 3% dos pacientes que procuram atenção médica. Muitas vezes os pacientes confundem fadiga com fraqueza, sendo a primeira uma sensação subjetiva e a segunda um sinal clínico mensurável no exame físico. Entre as doenças mais frequentemente associadas com fadiga estão hipertireoidismo, hipotireoidismo, insuficiência cardíaca, infecções, DPOC, apnéia do sono, síndrome da resistência das vias aéreas superiores, anemia, doenças auto-imunes incluindo esclerose múltipla e miastenia gravis, doenças granulomatosas e câncer. Alcoolismo crônico, uso de medicamentos sedativos e beta-bloqueadores, fibromialgia, síndrome da fadiga crônica e doenças psiquiátricas (ansiedade, depressão, insônia e transtorno somatoforme) são causas comuns de fadiga quando as causas citadas anteriormente são descartadas.
Febre, por outro lado, também é um sintoma secundário a uma grande variedade de doenças, incluindo infecções (causa mais comum), doenças auto-imunes e câncer. Causas menos frequentes incluem doenças do sistema nervoso central (lesões hipotalâmicas), doenças cardiovasculares (TEP, IAM), doenças gastrintestinais (doença inflamatória intestinal), doenças granulomatosas (sarcoidose), uso de medicamentos (antibióticos), síndrome serotoninérgica, síndrome neuroléptica maligna e hipertermia maligna. Alguns pacientes têm febre factícia.

A febre geralmente ocorria no final do dia e era associada com mialgias e calafrios. Ele começou a usar paracetamol e foi visto na emergência local com dor epigástrica. O exame físico, os exames laboratoriais de rotina e um Rx de abdomen foram normais. Na semana anterior ele teve dispnéia quando subia escadas, tosse seca e um episódio único de sudorese noturna. Ele perdeu 2.7 Kg nos últimos 6 meses. Uma revisão detalhada dos sistemas não mostrou outros problemas.

Embora classicamente a febre vespertina seja uma característica da tuberculose, é muito comum que qualquer doença febril siga esse padrão de melhora matinal e piora no final do dia. A medida da temperatura retal é mais confiável que a axilar. Febre geralmente é gerada devido a ação de um estímulo apropriado no organismo, fazendo com que os monócitos e macrófagos produzam citocinas pirogênicas, tais como interleucina 1, fator de necrose tumoral, interferon gama e interleucina 6 que agem com ação no hipotálamo. A elevação na temperatura ocorre devido à produção aumentada de calor (ex. calafrios) ou diminuição das perdas de temperatura (ex. vasoconstrição periférica). A elevação da temperatura em febre induzida por citocinas raramente excede 41 graus, a menos que haja lesão estrutural dos centros termoreguladores hipotalâmicos. Febre e dor epigástrica pode sugerir alguns diagnósticos diferenciais, tais como pancreatite aguda, colecistite aguda, hepatites, abscesso hepático, pneumonia, pericardite, etc. A dispnéia associada com esforços pode ser uma manifestação da fadiga relacionada com a doença de base, anemia subjacente, doença cardíaca causando febre ou doença pulmonar. Tosse seca pode ser vista em muitas infecções virais do trato respiratório, tuberculose, doenças granulomatosas do pulmão (sarcoidose), tumores do trato respiratório, doença intersticial do pulmão, sinusopatia crônica, asma ou refluxo gastroesofágico. A perda de peso também é inespecífica, podendo acompanhar uma grande lista de doenças crônicas, principalmente infecções crônicas, neoplasias e doenças auto-imunes.

O paciente cresceu na Índia, onde foi vacinado com BCG na adolescência. Vinte anos antes ele teve um PPD positivo. Ele morou em Barbados, Jamaica e Bahamas antes de mudar para os EUA 3 anos antes. Não havia história recente de viagens ou picadas de agulha. Ele não se lembrava de ter atendido nenhum paciente com tuberculose ativa, mas foi exposto à varicela no último mês. Ele fumava meia carteira de cigarros por dia e não tomava nenhum medicamento, exceto paracetamol.

A origem indiana do paciente levanta a possibilidade de tuberculose, já que aquele país é a fonte de aproximadamente 80% dos casos de tuberculose do mundo. Barbados, Brasil, Jamaica e Bahamas também são países onde a tuberculose é endêmica. O fato de ter sido previamente vacinado com BCG não descarta esta possibilidade. A positividade do PPD há vinte anos pode ser devido à exposição à vacina, ou mesmo contato com o bacilo, comum em moradores do terceiro mundo. Neste grupo de imigrantes, o PPD é considerado positivo se > 10 mm. Portanto, todos as pessoas que residem no Brasil pertencem a este grupo. Já nos países de primeiro mundo, outros grupos que tem PPD positivo > 10 mm incluem usuários de droga HIV negativos, trabalhadores de laboratório micobacteriológico, residentes e trabalhadores de prisões, asilos, hospitais e abrigos coletivos (ex. albergues). Também pertencem a este grupo pessoas com alto risco para tuberculose, como gastrectomizados, desnutridos, diabéticos, renais crônicos, portadores de algumas doenças hematológicas (leucemias e linfomas), silicoses e algumas malignidades (câncer de cabeça e pescoço e câncer de pulmão). Todas as outras pessoas do primeiro mundo têm valor de PPD normal se até 15 mm. Já alguns grupos de pacientes tem PPD positivo se > 5 mm, incluindo pacientes HIV positivos, contatos recentes de pessoas com tuberculose, pessoas com reações fibróticas no Rx de tórax sugestivas de seqüela de Tb, pacientes transplantados ou recebendo > 15 mg de prednisona por mais de um mês. Um novo PPD pode ser importante neste momento para ver se o paciente é atualmente anérgico. Se ele for reator, não ajuda muito no diagnóstico. O fato de trabalhar em um pronto socorro também expõe este médico a vários agentes infecciosos que podem estar contribuindo para seus sintomas, incluindo a tuberculose. O paciente referiu ter se exposto à varicela, uma doença que pode cursar com sintomas pulmonares. Esta é uma doença altamente infecciosa, que se dissemina por gotículas respiratórias ou contato com as lesões de pele. Os sintomas e as complicações geralmente são mais graves em adultos que em crianças. Pneumonia intersticial pode resultar em síndrome da angústia respiratória aguda. Nos pacientes que sobrevivem pode haver numerosas lesões calcificadas nos pulmões vistas no Rx de tórax. Outras complicações sistêmicas da infecção pelo vírus varicela zoster na varicela incluem vasculite do SNC causando AVC isquêmico, hepatite, encefalite (1:1000), ataxia cerebelar (1:4000), síndrome de Reye em crianças que usam aspirina, mielite, mieloradiculite (particularmente em pacientes HIV positivos), paralisia facial periférica (quando HSV não está implicado), necrose retiniana aguda e malformações congênitas quando ocorre em gestantes (retardo do crescimento, microftalmia, cataratas, corioretinites, surdez e atrofia cerebral). É muito pouco provável que este paciente esteja com complicações pulmonares da varicela sem ter passado pela fase cutânea da doença. O hábito de fumar pode aumentar a susceptibilidade dele a algumas infecções respiratórias. É pouco provável que um câncer pulmonar seja a causa da febre, devido à idade do paciente. Esquistossomose e estrongiloidíase são endêmicas no caribe, e ambas podem cursar com febre e sintomas pulmonares. A esquistossomose aguda, ou síndrome de Katayama corresponde à uma resposta alérgica ao esquistossomo, rara em nativos dos países endêmicos e mais comum em viajantes procedentes de locais não endêmicos. A severidade da doença varia de leve a muito grave com risco de vida. O período de encubação varia de 2 a 8 semanas após a exposição ao esquistossomo. Febre, mal estar, fadiga, urticária, diarréia, mialgia, tosse seca, infiltrado pulmonar, hepatoesplenomegalia e leucocitose com importante eosinofilia são os achados usuais. Como o paciente não viajou a áreas endêmicas no último ano, esta possibilidade pode ser descartada. A estrongiloidíase pode se manifestar com febre, tosse seca, dispnéia, sibilos e hemoptise. Broncopneumonia, bronquite, derrame pleural e abscessos miliares podem se desenvolver. Na síndrome de hiperinfecção por estrongilóides há disseminação das larvas para os pulmões e outros órgãos de forma fulminante. A ausência de sinais sistêmicos e a história negativa de uso drogas imunossupressoras tornam este diagnóstico improvável.

O paciente aparentava boa saúde. Seus sinais vitais e temperatura estavam normais. O exame físico foi normal. Eletrólitos séricos, creatinina, cálcio, função hepatica e hemograma normais.

Tuberculose continua sendo uma forte possibilidade. Infecção aguda pelo vírus HIV também deve ser incluída no diagnóstico diferencial, embora qualquer agente infeccioso possa causar a constelação de sintomas apresentadas pelo paciente. Um Rx de tórax seria fundamental neste momento para definir se há alguma anormalidade que sugira doença pulmonar associada com varicela (lesões perfeitamente arredondadas e calcificadas com 2 a 3 mm de diâmetro) ou uma outra doença infecciosa, como tuberculose.

Um Rx de tórax mostrou numerosos pequenos nodules bilateralmente, com um padrão miliar. O hilo direito, a região paratraqueal direita e a janela aorticopulmonar parecia discretamente maior que há um ano antes, e foi interpretada como representando linfonodos aumentados.

O Rx de tórax de pacientes com tuberculose não é homogêneo, podendo incluir pequenos infiltrados homogêneos, alargamento de linfonodos paratraqueais e hilares, além de atelectasia segmentar. Derrame pleural pode estar presente, especialmente em adultos, algumas vezes como anormalidade radiológica isolada. Cavitação pode ser vista com doença progressiva. Complexos de Ghon (foco primário calcificado) e Ranke (foco primário calcificado e linfonodo hilar calcificado) são vistos numa minoria dos pacientes e representam evidência residual de tuberculose cicatrizada. Reativação da tuberculose está associada com várias manifestações radiográficas, incluindo doença apical fibrocavitária, nódulos e infiltrado pneumônico. A localização usual é no segmento apical ou posterior dos lobos superiores, ou nos segmentos superiores dos lobos inferiores. Até 30% dos pacientes podem se apresentar com evidência radiográfica de doença em outros locais do pulmão. Isto é especialmente verdadeiro em idosos, onde os lobos inferiores podem ser afetados com maior freqüência, geralmente acompanhados de derrame pleural. Nestas situações, o diagnóstico diferencial com pneumonia ou um tumor de pulmão pode ser difícil. Um padrão miliar (presença de pequenos nódulos de distribuição difusa) pode ocorrer quando há disseminação hematogênica ou linfática. Resolução de tuberculose reativada deixa achados radiográficos característicos, tais como nódulos densos nos hilos pulmonares com ou sem calcificações, cicatriz fibronodular no lobo superior e bronquiectasia. Em pacientes com infecção recente pelo HIV, os achados radiológicos são similares à população sem HIV. Já nos pacientes com HIV em estágios avançados podem ter aspecto atípicos no Rx de tórax como infiltrado miliar, derrame pleural, envolvimento hilar e presença de linfonodos mediastinais. Portanto, os achados radiológicos do tórax deste paciente são compatíveis com tuberculose, e esta doença deve ser descartada neste momento. O campo diagnóstico do teste do escarro em pacientes com tuberculose miliar não é tão grande como em lesões cavitárias. Neste momento, a possibilidade de tuberculose é de aproximadamente 70%. Entretanto, outras doenças pulmonares podem se apresentar desta forma, incluindo doenças fúngicas (coccidioidomicose), granulomatosas (sarcoidose) e neoplásicas (linfoma).

O resultado do PPD foi negativo, com reação positiva a antígenos controle. A broncoscopia revelou inflamação brônquica leve a moderada. O exame do lavado broncoalveolar foi negative para cancer. Esfregaço para BAAR e fungos foi negativo.

Este homem não tem anergia, pois teve reação positiva para outros antígenos. Eu esperaria um PPD positivo, principalmente porque ele foi vacinado. Uma coloração normal para bacilos ácido-álcool resistente não descarta tuberculose. Embora o lavado broncoalveolar não descarte câncer, torna esta possibilidade menos provável. Coloração para fungos também foi negativa, diminuindo esta possibilidade. Eu ainda trataria empiricamente tuberculose até que os resultados das culturas fossem disponíveis, entretanto há necessidade de descartar uma doença granulomatosa ou neoplásica. Eu procuraria por evidências adicionais de sarcoidose como lesões de pele ou anormalidades oculares no exame pela lâmpada de fenda. A decisão de iniciar tratamento corticosteróide empírico é complicada, sem evidências mais convincentes de que este paciente tenha sarcoidose. Sarcoidose é uma doença sistêmica de etiologia desconhecida, caracterizada em aproximadamente 90% dos pacientes por inflamação granulomatosa do pulmão. A incidência é maior em negros norte-americanos e brancos descendentes de europeus do norte. Entre os negros, as mulheres são mais frequentemente afetadas que os homens. O início da doença é geralmente na terceira ou quarta décadas de vida. Os pacientes podem se apresentar com mal estar, febre e dispnéia de início insidioso. Sintomas relacionados com a pele, olhos, meninges, nervos periféricos, músculos, fígado, rins ou coração também podem ser vistos. Alguns pacientes são assintomáticos e procuram atenção médica após achados anormais no Rx de tórax (tipicamente linfadenopatia paratraqueal direita e hilar bilateral). Estes achados foram vistos neste paciente. Outros achados incluem eritema nodoso, alargamento da glândula parótida, hepatoesplenomegalia e linfadenopatia. Os achados laboratoriais podem mostrar leucopenia, VHS elevado, hipercalcemia (5% dos pacientes) e hipercalciúria (20%). Os níveis de enzima conversora da angiotensina são elevados em 40 a 80% dos pacientes com doença ativa. Espirometria pulmonar pode revelar presença de obstrução das vias aéreas, mas alterações restritivas com volumes pulmonares diminuídos são mais comuns. Anergia dos testes de pele estão presentes em 70% dos pacientes. ECG pode mostrar distúrbios da condução e arritmias. Os achados radiológicos do tórax são variáveis e incluem adenopatia hilar bilateral isolada (estágio I), adenopatia hilar e envolvimento paratraqueal (estágio II) ou envolvimento parenquimatoso isolado (estágio III). Envolvimento parenquimatoso é geralmente manifestado radiologicamente por infiltrado reticular difuso, mas infiltrados focais, nódulos e, raramente, cavitações, podem ser vistos. Derrame pleural é notado em menos de 10% dos pacientes. O diagnóstico de sarcoidose geralmente requer demonstração histológica de granuloma não-caseoso na biópsia de pacientes com quadro clínico compatível. Outras doenças granulomatosas (beriliose, tuberculose, infecções fúngicas) e linfoma devem ser excluídos. Biópsia de locais facilmente acessíveis (linfonodos palpáveis, lesões de pele e glândulas salivares) é provável de ser positiva. Biópsia pulmonar transbrônquica tem um alto campo diagnóstico (75 a 90%), especialmente em pacientes com sintomas pulmonares e evidência radiológica de envolvimento parenquimatoso. Alguns autores acreditam que a biópsia tecidual não é necessária em pacientes com achados radiológicos típicos (principalmente estágio I) com quadro clínico compatível (ex. mulheres negras com eritema nodoso). Biópsia é essencial se os achados clínicos e radiológicos sugerem a possibilidade de um diagnóstico alternativo, como linfoma. O lavado broncoalveolar na sarcoidose é geralmente caracterizado por aumento dos linfócitos e uma alta relação entre CD4/CD8. Embora não estabeleça o diagnóstico, pode ser útil para seguir a atividade da doença em pacientes selecionados. Todos os pacientes com sarcoidose necessitam uma avaliação oftalmológica completa. A indicação para tratamento com corticosteróides orais (prednisona 0.5 a 1 mg/kg/dia) inclui sintomas constitucionais incapacitantes, hipercalcemia, irite, uveíte, artrite, envolvimento do sistema nervoso central, envolvimento cardíaco, hepatite granulomatosa, lesões cutâneas diferentes de eritema nodoso e lesões pulmonares progressivas. Terapia de longo prazo é geralmente necessária, durante meses a anos. Algumas vezes a resposta pode levar até um a dois anos para ocorrer. Os níveis de ECA geralmente caem com a melhora clínica. Drogas imunossupressoras devem ser tentadas em pacientes que não respondem ou não toleram os corticosteróides. Aproximadamente 20% dos pacientes com envolvimento pulmonar sofrem lesão pulmonar irreversível, caracterizada por fibrose progressiva, bronquiectasia ou cavitações. Os pacientes necessitam acompanhamento de longo prazo. Exame físico anual, além de testes de função pulmonar, painel bioquímico (principalmente cálcio), avaliação oftalmológica, radiografia de tórax e ECG são recomendados.

Os níveis séricos de enzima conversora de angiotensina foram normais. Tratamento com isoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol foi iniciado. O paciente foi aconselhado a retornar ao trabalho após duas semanas. Sua esposa foi solicitada a realizar PPD e Rx de tórax.

Os níveis da enzima conversora da angiotensina não são sensíveis nem específicos para o diagnóstico de sarcoidose, pois podem ser anormais em qualquer processo granulomatoso. Eu ainda procuraria por mais evidências de sarcoidose. Eu checaria os níveis de cálcio, fosfatase alcalina e examinaria suas glândulas lacrimais e parótidas. Se o Rx de sua esposa for anormal, tuberculose seria a minha primeira hipótese diagnóstica.

Ele continuou a ter febre, e duas semanas mais tarde a dispnéia retornou. As culturas para BAAR estavam negativas. Como ele não era anérgico e tinha se exposto à tuberculose como medico na Índia, a terapia antituberculosa foi mantida até o resultado final das culturas.

A ausência de melhora à terapia tríplice adicionada de etambutol é preocupante. Ou este paciente tem uma tuberculose multi-resistente ou seu diagnóstico não é tuberculose. Eu iniciaria prednisona para tratar uma possível sarcoidose devido à piora da dispnéia e continuaria com o esquema anti-tuberculose e obteria um novo Rx de tórax para observar se houve piora radiológica após o início do tratamento anti-tuberculoso.

Os sintomas melhoraram bastante após três dias de tratamento com prednisona. Um procedimento diagnóstico foi realizado.

O procedimento diagnóstico foi uma biópsia transbrônquica que mostrou granuloma não caseoso. Tendo em vista as culturas negativas, a ausência de resposta ao tratamento da tuberculose e a melhora com corticosteróide, o diagnóstico de sarcoidose pulmonar é altamente provável, e tuberculose improvável, embora a epidemiologia seja positiva. Distinguir entre tuberculose e sarcoidose pulmonar pode ser um desafio, ainda para médicos experientes. Sintomas inespecíficos como febre, mal estar, fadiga, anorexia e perda de peso podem ocorrer em ambas as doenças. Para complicar ainda mais o diagnóstico, tosse e dispnéia também é comum a ambas as doenças. Ambas podem afetar os mesmos focos extra-pulmonares, podem ter histopatologia similar e podem mimetizar outras doenças. Embora um diagnóstico específico seja recomendável antes do tratamento ser instituído, nós devemos fazer algumas escolhas terapêuticas antes de iniciar qualquer droga. À medida que o quadro clínico evolui, nós devemos fazer um balanço dos riscos e benefícios de testes adicionais. A principal decisão é determinar se uma doença é suficientemente provável que os benefícios potenciais do tratamento sobrepõem os possíveis efeitos colaterais e complicações do tratamento. Como era o caso do paciente discutido aqui, outras alternativas terapêuticas podem ser necessárias quando há mais de uma alternativa diagnóstica e quando o tratamento de uma das possibilidades pode piorar o quadro da outra possibilidade. Neste caso, o uso de corticosteróides para o tratamento de uma possível sarcoidose pode agravar significativamente o curso de uma tuberculose subjacente, se o tratamento anti-tuberculoso não for instituído concomitantemente. Os dois médicos que cuidaram deste médico residente e o médico que discutiu o caso neste artigo foram particularmente atraídos pelo diagnóstico de tuberculose, principalmente pela origem, história de viagens e exposição ocupacional do paciente. A verdade é que se o paciente fosse um médico residente de origem americana ou européia, o diagnóstico de tuberculose jamais seria o principal. Infelizmente há um grande preconceito com o terceiro mundo por parte do primeiro mundo, mesmo que com certa razão. Mas será que após a negatividade do PPD e o achado de granuloma não-caseoso na biópsia transbrônquica o diagnóstico de tuberculose pode ser abandonado?

Uma simples análise Bayseniana oferece alguma ajuda para responder esta pergunta. Deixe-nos assumir que o paciente tem um dos dois diagnósticos: tuberculose ou sarcoidose. A tabela 1 sumariza a probabilidade de cada achado na presença de tuberculose e sarcoidose, tanto isoladamente como em combinação. Veja que a probabilidade de um teste de PPD negativo em um paciente com tuberculose miliar varia de 10 a 62%, com uma média de 25%. Aproximadamente 50% dos pacientes que recebem a vacina BCG tornar-se-ão PPD negativo após 10 anos e quase todos serão negativos após 25 anos. Como sarcoidose não resulta em PPD positivo e como o paciente em questão foi vacinado há mais de 30 anos, a probabilidade de ele ser PPD negativo é 95% se ele tiver sarcoidose e apenas 25% se ele tiver tuberculose miliar. Embora 20% dos pacientes com tuberculose possam ter granuloma não-caseoso (ao invés do típico granuloma caseoso), 100% dos pacientes com sarcoidose mostram este achado. Por outro lado, 20% dos pacientes com sarcoidose com Rx de tórax anormal são negativos e 95% dos pacientes com tuberculose são negativos. Mesmo com esse parâmetro sendo favorável ao diagnóstico de tuberculose, quando analisamos os três juntos, a probabilidade de sarcoidose é maior que tuberculose.

Um cálculo Bayseano mostra que se a probabilidade de tuberculose em termos clínicos é de 70% antes dos três resultados laboratoriais serem conhecidos (valor sugerido pelo médico na discussão), a probabilidade revisada após os exames laboratoriais ainda é bastante alta (37%), embora a probabilidade de sarcoidose tenha sido calculada como 67%. Esta probabilidade de 1/3 ainda justifica o uso de terapia anti-tuberculose até que os resultados das culturas sejam negativos, mesmo considerando que as drogas anti-tuberculosas podem ter alguns efeitos colaterais potencialmente fatais, tais como hepatite, pois tuberculose miliar é uma doença potencialmente fatal. Claro que se o paciente tem sarcoidose, o ideal seria não utilizar essas drogas, devido ao pequeno risco de uma reação fatal.

Também se deve calcular a probabilidade de os benefícios do tratamento igualarem ou superarem os riscos, condição conhecida como limiar terapêutico. Para valores acima do limiar, tratamento anti-tuberculoso deve ser dado e valores abaixo do limiar (baixa probabilidade), o tratamento deve ser retirado. Os valores do limiar terapêutico dependem do razão benefício/risco (B/R) para o tratamento calculada através da seguinte equação: 1/(B/R+1). Como alguém pode estimar os benefícios e riscos para determinar o limiar terapêutico? Mais uma vez nós iremos assumir que o paciente tem um dos dois diagnósticos: tuberculose ou sarcoidose. Se nós assumirmos que tuberculose miliar tratada tem uma taxa de mortalidade de 20% e mortalidade de 50% quando não tratada, o tratamento é associado com um benefício de 30% em termos de sobrevida, se o paciente tem tuberculose e recebe tratamento adequado. Hepatite relacionada com isoniazida é o principal risco do tratamento. Embora o risco desta complicação é tipicamente 1%, ela é um pouco maior em homens asiáticos (o paciente é indiano), chegando a 2%. Cada paciente em que hepatite relacionada com isoniazida se desenvolve tem uma chance de morrer de 7,6%. Portanto, a taxa de mortalidade geral de homens asiáticos que recebem isoniazida é de 2% x 7.6%, ou aproximadamente 0,15%. Pacientes que são tratados por tuberculose miliar, mas que na realidade tem sarcoidose seriam expostos a este risco sem qualquer benefício. A razão benefício/risco para o tratamento é, portanto, aproximadamente 200 (30 porcento/0.15 porcento). Portanto, o limiar terapêutico para tratamento anti-tuberculoso é 0,5% ou 1/200. Em retrospecto, considerando que a probabilidade de tuberculose excede 2%, a terapia anti-tuberculosa empírica é apropriada. O médico que discutiu o caso estimou que a probabilidade de tuberculose era de 70%, um valor que excede em muito o limiar terapêutico, onde a terapia teria um efeito benéfico substancial. Mesmo após os resultados do PPD, níveis de ECA e biópsia transbrônquica, os valores de probabilidade de tuberculose eram de quase 40%, valor bem superior aos baixos limiares terapêuticos. Vendo de uma outra forma, se a probabilidade de tuberculose é de 40%, em uma população de 10.000 homens com um quadro similar nós teríamos 4000 com tuberculose e 6000 com sarcoidose. Sem terapia anti-tuberculosa, somente 2000 daqueles com tuberculose iriam sobreviver (50% de mortalidade). Com terapia anti-tuberculosa, 3200 iriam sobreviver (20% de mortalidade). Por outro lado, 5 iriam morrer de hepatite relacionada com isoniazida. Já entre os 6000 pacientes com sarcoidose, 9 iriam morrer de hepatite relacionada com isoniazida. Para a população de 10.000 homens como um todo, o uso de tratamento anti-tuberculose melhoraria a sobrevida em 1186 homens (1200 – 5 – 9). Se o paciente tivesse tuberculose, mas fosse tratado com corticosteróides para uma sarcoidose presumida em adição a agentes anti-tuberculosos, qual seria o risco de tuberculose disseminada? O risco de terapia corticosteróide em pacientes com tuberculose pulmonar, especialmente tuberculose miliar, é muito menor que geralmente acreditado. Vários estudos nas últimas quatro décadas destacam a segurança, quando não o benefício dos corticosteróides na tuberculose em conjunto com tratamento anti-tuberculose. Por outro lado, se o paciente tiver sarcoidose, o não uso inicial de corticosteróide tem algum risco, desde que o paciente esteja estável? Tratamento agressivo de pacientes com sarcoidose pulmonar que têm sintomas respiratórios progressivos diminui o risco de extensão das lesões aos órgãos. A razão benefício/risco para o uso de corticosteróides para um diagnóstico presumido de sarcoidose na presença de dispnéia progressiva, como ocorreu com o paciente deste caso, deveria ser alta e o limiar terapêutico deveria ser muito baixo. Com base nestes dados, nós podemos concluir que, uma vez que dispnéia progressiva se desenvolveu e a probabilidade de sarcoidose excedeu 60%, os médicos assistentes adicionaram corticosteróides à terapia anti-tuberculosa, até que os resultados das culturas para tuberculose fossem disponíveis e o diagnóstico de tuberculose pudesse ser descartado.
A chave para abordar pacientes que estão agudamente doentes e tem diagnóstico duvidoso é pensar probabilisticamente. Primeiro, use as informações disponíveis para estimar a probabilidade de cada doença. Uma vez que isto tenha sido feito, avalie os benefícios potenciais e os riscos de cada intervenção terapêutica empírica. Algumas vezes, melhor que escolher entre duas opções terapêuticas, a melhor estratégia pode ser oferecer ambos os tratamentos e esperar por mais informação durante o curso clínico e investigatório, como foi feito no caso em questão.

Comentários:
Sarcoidose!!!!!!!!!!!!!!

Alexandre
 
Concordo com Sarcoisose. Procedimento diagnóstico deve ter sido biópsia de tecido pulmonar por meio de uma brocofibroscopia, apresentando processo inflamatório e granuloma não caseoso, que somado ao quadro clínico, sinais e sintomas fecha diagnóstico de Sarcoidose. Além disso, corticóide auxiliou no quadro clínico..
 
Foi bem isso que pensei... mesmo com dosagem de ECA normal... a sensibilidade do teste é baixa para o diagnóstico não dando muita ajuda!!!!!!!!

Alexandre
 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]