sábado, 27 de agosto de 2011

 

Caso Clínico 31/08/2011

Um homem de 68 anos foi visto na clínica neurológica por dificuldade de deglutição há 10 anos. Nos últimos 3 anos sua deglutição tem se tornado mais problemática, afetando a ingestão de sólidos mais que líquidos. Ele também notou que as pálpebras estavam levemente caídas, tendo realizado uma blefaroplastia bilateral para este problema aproximadamente seis anos atrás. Uma nova blefaroplastia foi repetida no olho direito há 4 anos atrás. Ocasionalmente ele apresentava diplopia leve, mais evidente no final da tarde ou quando estava fatigado. Fora essas dificuldades ele não tinha queixas de fraqueza muscular nos membros, assim como não tinha problemas para caminhar ou para qualquer outra atividade diária de rotina. Ele negava dor muscular, artralgia ou rash cutâneo.

História Médica Pregressa incluia hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana com história de 3 angioplastias com colocação de “stents”, colecistectomia e blefaroplastia.

As medicações utilizadas eram atenolol 50 mg a cada 12 horas, clopidogrel 75 mg ao dia, aspirina 325 mg ao dia, atorvastatina 40 mg ao dia e trandolapril 4 mg ao dia. Suplementação com oléos de peixe diária.
Ele negava tabagismo, porém usava álcool rotineiramente em quantidades moderadas. Aposentado como funcionário público.

Seu pai, dois irmãos, e uma irmã tiveram problemas com quedas da pálpebra. Dois irmãos tiveram dificuldade de deglutição. Ele é originário do Canadá francês.

Não havia história de febre, calafrios, náuseas ou perda de peso. Ausência de dificuldade respiratória, tanto durante o exercício como deitado. Ele negava diarréia ou constipação, incontinência urinária ou fecal.

Ao exame físico o paciente parecia bem vestido, nutrido, aparentando sua idade real. O pulso era de 52 bpm, FR 18/min, PA 123/72 mmHg. Estava anictérico, narinas e orofaringe normais e as mucosas estavam hidratadas. Não havia rigidez de nuca, linfonodos palpáveis, tireomegalia ou sopros de carótidas. Os campos pleuropulmonares estavam livres à ausculta. Bulhas rítmicas, normofonéticas e sem sopros. Ausência de distensão jugular.
Abdomen flácido, indolor à palpação, com ruídos hidroaéreos presentes. Ausência de hepato ou esplenomegalia. Pulsos presentes e simétricos. Ausência de cianose ou edema, e ausência de linfadenomegalia em membros.

Exame Neurológico
Estado Mental: Alerta e orientado, com linguagem e conteúdo do pensamento adequados para a ocasião.
Nervos Cranianos: I. Não testado. II. Campos visuais normais à confrontação. Pupilas simétricas, arredondadas e reativas à luz. Funduscopia normal. III/IV/VI. Havia discreta diplopia (subjetiva) ao olhar lateral, que não se alterava com a sustentação do movimento ocular. Não havia restrição aos movimentos oculares. Havia ptose parcial bilateral, que permanecia fixa com a sustentação do movimento ocular para cima. V. Sensibilidade facial normal. Reflexo corneo-palpebral intacto bilateralmente. Força dos músculos masseteres e temporais normal bilateralmente. VII. Motricidade facial preservada. VIII. Audição intacta para fricção dos dedos bilateralmente. IX, X. Elevação do pálato simétrica, com úvula na linha média. Reflexo do vômito intacto. Ele deglutiu 50 ml de água sem interrupções ou engasgos. XI. Elevação do ombro e lateralização do pescoço normais bilateralmente. XII. Língua protruia na linha media, sem atrofia ou fasciculações.

Exame motor: Ausência de espasticidade. A força foi 5 /5 no deltóide direito e 4+/5 no deltóide esquerdo. A força do biceps foi 5/5 à direita e 5 /5 à esquerda. A força do triceps foi 5/5 bilateralmente. A força dos extensores do punho foi 5/5 bilateralmente. Flexores do punho, extensores dos dedos, e flexores dos dedos tinham força normal bilateralmente. Os flexores do quadril tinham força 4+/5 bilateralmente. A força dos demais músculos dos membros inferiors foi de 5/5. Ele não mostrou fadigabilidade com contrações repetidas dos deltoids contra a resistancia; assim como não houve piora da ptose após o esforço repetitivo.

Reflexos: Os reflexos eram 2+/4, simétricos no bíceps, tríceps, braquiorradial, patelar, and aquileu. Não havia relaxamento retardado após as percussões em todos os tendões testados. O reflexo cutâneo-plantar foi flexor bilateralmente. Sinal de Hoffman ausente.

Coordenação: normal bilateralmente nos membros superiores e inferiores.

Sensibilidade: Intacta para o tato, dor, vibração, sensoposição, e temperatura.

Marcha: Foi capaz de caminhar normalmente, tanto na ponta dos pés como nos calcanhares. A marcha pé-ante-pé foi realizada sem dificuldades. O teste de Romberg foi negativo.

O hemograma foi normal. Glicose 98 mg/dl, uréia 21 mg/dl, creatinina 1 mg/dl, sódio 138 meq/l, potássio 5,2 meq/l, cloro 100 mEq/l, cálcio 5,2 mEq/l, CO2 32 mEq/l, ALT 37 U/L, AST 28 U/L. CK total, lactato venoso e arterial normais. Anticorpos contra os receptores da acetilcolina foram negativos.

Um procedimento diagnóstico foi realizado.



Resumo do Caso:

Este homem de 68 anos apresentou ptose bilateral, diplopia e disfagia iniciando na sexta década com progressão lenta. Os sintomas eram mais proeminentes próximo do final do dia, como visto em muitas doenças neurológicas, entretanto, ele não relatou piora importante após uso repetido ou alívio dos sintomas com repouso que são característicos da fraqueza miastênica. Ao contrário da miastenia adquirida, sua doença era familiar, com herança autossômica dominante com transmissão paterna. Sua origem étnica era o Canadá francês. Avaliação clínica e oftalmológica , assim como estudo da deglutição foram compatíveis com os déficits clínicos. Estes achados em conjunto fortemente sugerem o diagnóstico clínico de distrofia muscular oculofaríngea. Após ampla discussão com o paciente ele preferiu não realizar o teste genético para a confirmação definitiva da doença.

Várias doenças podem mimetizar a distrofia muscular oculofaríngea. Ela é frequentemente confundida com miastenia gravis devido ao envolvimento ocular e bulbar proeminentes, e não é incomum, pacientes sem uma história familiar clara, receberem terapia imunossupressora desnecessária. Neste paciente, a natureza fixa do déficit, a falta de fadigabilidade, e um resultado negativo para anticorpos contra os receptores da acetilcolina são dados fortes contra o diagnóstico de MG. Na avaliação de pacientes com suspeita diagnóstica de doenças da junção neuromuscular, estimulação nervosa repetitiva pode detectar respostas decrementais ou incrementais e a eletromiografia de fibra única pode ser útil para confirmar o diagnóstico. Devido ao risco de Bradicardia sintomática, nós não recomendamos o uso de rotina do teste do Tensilon em idosos como screening diagnóstico para MG.

Doenças mitocondriais podem se apresentar com oftalmoplegia externa progressiva crônica. Muitas dessas doenças são herdadas da mãe, pois o DNA mitocondrial está presente apenas no óvulo e ausente no espermatozóide, embora alguns genes que codificam proteínas mitocondriais sejam encontrados dentro do genoma celular, sendo possível a transmissão não materna dessas doenças. Entretanto, não havia nesse paciente nenhuma evidência de envolvimento multi-sistêmico inexplicado, portanto a possibilidade de doença mitocondrial não foi considerada a fundo no diagnóstico diferencial. Em pacientes com alta suspeita de doença mitocondrial, uma biópsia muscular com análise histoquímica procurando fibras vermelho-rasgadas (ragged red fibers), ensaios imunohistoquímicos de atividade enzimática, estudos genéticos do DNA mitocondrial e testes do exercício podem ser realizados para confirmar o diagnóstico.

Miopatia Inflamatória, mais frequentemente dermatomiosite, pode também se apresentar com disfagia inexplicada. Entretanto, o grau de envolvimento ocular, a ausência de rash característico e os níveis normais de CPK são inconsistentes com o diagnóstico de dermatomiosite, particularmente em vista da lenta progressão dos sintomas.

Variantes distais das mioptias oculofaríngeas têm sido descritas, mas não foram consideradas consistentes com os sintomas desse paciente.

DISCUSSÃO:

A distrofia muscular oculofaríngea geralmente é uma doença de início tardio, que inicialmente se apresenta com ptose progressiva e disfagia. Taylor descreveu essa síndrome em 1915, relatando quarto membros de uma família canadense com ptose de início tardio e progressiva dificuldade de deglutição, levando à morte por desnutrição. No início dos anos 60, Robert Hayes foi capaz de seguir a mesma família, e identificou membros de duas gerações posteriores que desenvolveram a doença. O nome da doença foi dado em 1962 por Maurice Victor, Robert Hayes e Raymond Adams.

A distrofia muscular oculofaríngea é mais comumente encontrada em certas comunidades étnicas, particularmente entre canadenses franceses e judeus Bukhara vivendo em Israel. A maior incidência de distrofia muscular oculofaríngea é procedente da provincia canadense de Quebec, com frequência estimada de mais de 1 caso para cada 1000 habitantes. Outros focos de alta incidência tem sido identificados no Uruguai, Brasil, restante da América espanhola e no Novo México.

A doença geralmente se apresenta durante a quinta ou sexta décadas de vida com ptose, disfagia e disfonia, envolvendo os músculos estriados da faringe e do terço superior do esôfago. Tardiamente pode ocorrer limitação dos movimentos oculares, fraqueza facial e fraqueza proximal dos membros. A morbidade e mortalidade da doença geralmente ocorrem por complicações de disfunção bulbar, particularmente desnutrição e pneumonia aspirativa.
Tanto formas autossômicas dominantes (OMIM 164300) como recessivas (OMIM 257950) têm sido descritas. O lócus gênico dominante foi primeiramente mapeado por Brais et al (1995) no cromossomo 14q11.1. Eles identificaram uma expansão de repetições do triplete GCG no gene da proteína polyadenulate-binding (PABPN1). Atualmente, um teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) está disponível para estabelecer o diagnóstico ou o estado de portador da doença.

Antes da descoberta da mutação genética na distrofia muscular oculofaríngea, o diagnóstico dependia das manifestações clínicas e dos achados inespecíficos da biópsia muscular (perda de fibras musculares, com variação do tamanho das fibras e aumento do número de núcleos). Vacúolos marginados (Rimmed vacuoles) assim como presença de pequenas fibras anguladas têm sido descritos. Entretanto, o achado mais significante é o acúmulo de filamentos tubulares intranucleares com diâmetro externo de 8.5 nm e diamêtro interno de 3 nm na microscopia eletrônica. O mecanismo de doença é atualmente desconhecido.

No atual momento não há tratamento específico para a doença. Modificações da dieta e suplementação alimentar são recomendadas quando necessário. Blefaroplastia com ressecção da aponeurose do elevador da pálpebra e suspensão frontal das sobrancelhas são recomendadas quando a ptose interfere com a visão ou quando dor no pescoço se torna uma complicação devido à dorsiflexão compensatória do pescoço. Miotomia cricofaríngea deve ser considerada em pacientes que desenvolvem disfagia severa ou pneumonia aspirativa recorrente. Infelizmente esse procedimento oferece alívio apenas temporário, pois a disfagia normalmente recorre com o tempo. Gastrostomia pode permitir uma nutrição mais adequada, entretanto seu valor em prevenir aspiração recorrente é questionável.

Diagnóstico Diferencial da Miastenia Gravis

O diagnóstico de Miastenia Gravis é gratificante tanto para médicos como para pacientes devido à gravidade da doença e efetividade do tratamento.

► Algumas doenças neurológicas e outras não-neurológicas podem mimetizar Miastenia Gravis (MG) clinicamente. Portanto, os médicos devem ficar atentos para evitar enganos diagnósticos e eventuais danos aos pacientes.

► Abaixo listamos algumas das mais freqüentes doenças confundidas clinicamente com MG:
• Ptose Palpebral Congênita.
• Miopatias (mitocondriais, metabólicas, endócrinas, inflamatórias, etc)
• Distrofias Musculares (fascioescapulohumeral, oculofaríngea, miotônica)
• Oftalmoparesia Externa Progressiva Crônica
• Síndrome de Kearns Sayre
• Botulismo
• Síndromes Miastênicas Congênitas
• Paralisia de Nervos Cranianos (III, IV e VI)
• Meningites de Base de Crânio (tuberculose, carcinomatose meníngea)
• Afecções do Seio Cavernoso (trombose, aneurisma, fístula carótido-cavernosa, tumores)
• Afecções da Fissura Orbital Superior (tumores, infecções, inflamações)
• Variante de Miller Fisher da Síndrome de Guillain-Barré)
• Síndrome de Horner
• Doença de Graves
• Pseudotumor de Órbita
• Trauma Orbital
• Lesões de Tronco Cerebral
• Hipertensão Intracraniana (com lesão de nervo abducente bilateral)
• Síndrome de Lambert-Eaton
• Botulismo
• Fadiga Subjetiva
• Fibromialgia
• Síndrome da Fadiga Crônica
• Falso-Positivo de Exames Complementares

► Os mimetizantes de miastenia raramente causam fraqueza objetiva flutuante, característica marcante da MG. Por outro lado, a MG raramente causa fraqueza constante ou progressiva.

► A caracterização da flutuação deve ser minuciosa, pois alguns pacientes consideram flutuante algumas condições que, de fato, não o são. O principal exemplo é a diplopia ocasional que ocorre com a mirada em determinado lado (por paralisia de um par craniano). Como ela somente aparece em determinada mirada, o paciente pode a considerar flutuante.

► O contexto clínico e os exames complementares geralmente são suficientes para a distinção de miastenia com as condições mimetizantes.

► Algumas distrofias musculares podem simular MG devido à ptose palpebral, oftalmoparesia, envolvimento bulbar e fraqueza proximal.

► Disfagia e ptose são sintomas comuns na distrofia oculofaríngea. Essa doença geralmente ocorre após a quarta década de vida. Os movimentos oculares algumas vezes são comprometidos, porém os movimentos faciais são poupados. Fraqueza proximal dos membros pode estar presente. O que chama atenção na história é o padrão autossômico dominante de herança, com penetrância completa. O diagnóstico é feito por estudo genético através do aumento de repetições do triplete GCG no gene PABP2.

► A distrofia fascioescapuloumeral apresenta-se com fraqueza facial importante (dificuldade para assoprar, assobiar, sorrir e fechar os olhos). Além disso, sintomas bulbares como disartria e disfagia também são proeminentes. Entretanto, os movimentos extra-oculares são preservados e a fraqueza não é flutuante. A herança é autossômica dominante, mas a penetrância é variável. Uma característica da doença é a fraqueza proximal dos membros superiores com preservação dos deltóides (fenômeno do Popeye). Há alta incidência de perda auditiva. O diagnóstico é feito com exames genéticos através da diminuição do número de repetições D4Z4 no gene afetado.

► Distrofia miotônica pode se apresentar com ptose palpebral, oftalmoparesia, fraqueza facial, disfonia, disfagia, fraqueza proximal e distal de membros. O que chama atenção para o diagnóstico correto é a presença de miotonia à percussão de músculos da mão ou língua. Outras características dos pacientes com distrofia miotônica são catarata, calvície frontal, distúrbios de condução cardíaca, polineuropatia distal leve, diabetes, atrofia testicular e hiperparatireoidismo. O diagnóstico é sugerido pela presença de potenciais miotônicos na EMG de agulha e confirmado pelo estudo genético (aumento do número de repetições do triplete CTG no gene da miotonina proteína-quinase.

► As miopatias mitocondriais (oftalmoplegia externa progressiva, síndrome de Kearns-Sayre e encefalopatia mioneurogastrointestinal) também podem simular MG.

► A oftalmoplegia externa progressiva crônica caracteriza-se por oftalmoplegia progressiva e simétrica. Ao contrário da MG, ela não é flutuante. Também pode apresentar ptose e fraqueza muscular proximal. Alguns pacientes apresentam catarata. A EMG de agulha mostra padrão miopático e a biópsia muscular revela a presença de fibras vermelhas rasgadas e morfologia mitocondrial anormal na microscopia eletrônica.

► A síndrome de Kearns Sayre geralmente se apresenta em fase mais precoce da vida que a MG, entre a segunda e terceira décadas de vida, com oftalmoparesia progressiva, retinopatia pigmentar e defeitos da condução cardíaca. Também pode ocorrer perda auditiva, baixa estatura, anomalias endócrinas, ataxia da marcha e polineuropatia. Uma deleção única do DNA mitocondrial ocorre na maioria dos pacientes. A biópsia muscular mostra fibras vermelhas rasgadas.

► A encefalopatia mioneurogastrointestinal ocorre antes dos vinte anos com fraqueza proximal, oftalmoparesia, leucoencefalopatia progressiva, degeneração da retina, perda auditiva e sintomas gastrointestinais como pseudo-obstrução intestinal e diarréia. Acidose lática pode ser detectada. A biópsia muscular mostra fibras vermelhas rasgadas.

► O botulismo apresenta-se com oftalmoparesia, disfagia, disartria, e fraqueza proximal dos membros. Na forma alimentar, náuseas e vômitos precedem a fraqueza. A progressão da fraqueza é rápida (poucas horas a dias) e insuficiência respiratória pode ocorrer. Os principais dados que ajudam a distinguir crise mistênica de botulismo são a presença nesse último de pupilas dilatadas e pouco reagentes, perda dos reflexos e sintomas autonômicos proeminentes (boca seca, constipação e retenção urinária). A história de ingestão de alimentos enlatados e feridas cutâneas também sugere botulismo. O estudo da estimulação nervosa repetitiva também é importante para diferenciação. No botulismo, ao contrário da MG, as amplitudes dos PAMC (potencial de ação motor composto) são baixas, ocorre resposta incremental com estimulação tetânica (50 Hz) e facilitação persistente pós-exercício (aumento da amplitude do PAMC após 10 segundos de contração muscular).

► As síndromes miastênicas congênitas são doenças hereditárias que ocorrem na infância. Os recém nascidos acometidos apresentam-se com dificuldades de sucção, choro fraco e retardo no desenvolvimento psicomotor. Fraqueza proximal, bulbar e ocular estão presentes. O diagnóstico definitivo é complexo e realizado apenas em centros especializados.

► Paralisias dos nervos cranianos III, IV e VI podem simular MG. Quando a oftalmoplegia for dolorosa, o diagnóstico de MG é improvável. Nessas condições deve-se pesquisar algum processo tumoral, vascular ou infeccioso da órbita ou do seio cavernoso. Além disso, diabetes deve ser considerado, sendo a principal causa de oftalmoparesia dolorosa isolada. A característica da oftalmoparesia diabética é a preservação da pupila quando o III par é acometido. Os exames mais recomendados para investigar a causa de paralisias dos nervos cranianos são a ressonância magnética e a angiografia por RM. Além disso, um líquor deve ser feito para descartar meningite de base do crânio, carcinomatose meníngea e variante de Miller Fisher da síndrome de Guillain Barré. Vale notar que essa última se apresenta com oftalmoparesia, ataxia da marcha e arreflexia, sendo os dois últimos ausentes na MG.

► Ptose palpebral congênita e várias formas adquiridas de ptose devem ser consideradas. A ptose senil provavelmente ocorre por desinserção do músculo elevador da pálpebra por diversas causas como retirada de lentes de contato e cirurgias oftalmológicas. A síndrome de Horner ocorre com ptose, miose e anidrose, embora possa se apresentar isoladamente com ptose. Ela ocorre por lesão no trajeto da via simpática.

► Algumas doenças da órbita como a oftalmoparesia de Graves e pseudotumor orbital apresentam sinais adicionais que facilitam a distinção de MG. A exoftalmia é característica da doença de Graves e a presença de proptose, dor e vermelhidão sugerem pseudotumor ou lesão intra-orbital e de seio cavernoso.

► Lesões de tronco cerebral envolvendo os núcleos dos pares cranianos III, IV, VI, IX, X, XI e XII, além de síndrome de Horner por lesão da via simpática descendente no tronco podem simular MG. Entretanto, esses pacientes apresentam outros sinais de lesão de tronco como alterações do nível de consciência, tetraplegia, ataxia da marcha e distúrbios sensoriais. Exames de imagem como RM geralmente identificam a causa da lesão.

► Quadros de hipertensão intracraniana de qualquer etiologia podem provocar paralisia bilateral de nervo abducente (VI par). Isso provoca alteração do olhar lateral e pode simular MG. Estudos de imagem, fundoscopia para pesquisa de edema de papila e líquor com medida da pressão de abertura podem confirmar o diagnóstico.

► Algumas doenças que mimetizam MG podem preservar os movimentos oculares. A paralisia bulbar progressiva, uma variante da Esclerose Lateral Amiotrófica (doença do neurônio motor) ocorre com disfagia e disartria progressivas. Em fases avançadas, fraqueza e atrofia dos músculos dos membros pode ocorrer. Não há oscilação dos sintomas. O teste do Tensilon® pode ser positivo. Estudo de estimulação nervosa repetitiva pode mostrar resposta decremental, como na MG. Características que ajudam a diferenciação a favor de doença do neurônio motor são a progressividade dos sintomas, a ocorrência de sinais de neurônio motor superior e a presença de desenervação na EMG de agulha.

► A síndrome miastênica de Lambert-Eaton é uma doença da porção pré-sináptica da junção neuromuscular em que anticorpos se formam contra os canais de cálcio voltagem-dependentes resultando em diminuição da liberação de acetilcolina e defeito da transmissão neuromuscular. Ao contrário da MG, ptose palpebral é rara e os movimentos extraoculares são preservados. Insuficiência respiratória é rara. Entretanto, sintomas bulbares como disfagia e disartria ocorrem com frequência, assim como fraqueza proximal dos membros. Uma característica dessa doença é a presença de sintomas autonômicos, presentes em 80% dos pacientes e a ausência de reflexos tendinosos profundos (arreflexia). Metade dos casos estão relacionados com neoplasia subjacente, como carcinoma de pequenas células do pulmão. Nesses pacientes pode ser detectado anticorpos anti-Hu. Alguns casos são auto-imunes. O estudo da estimulação nervosa repetitiva mostra grande resposta incremental após o exercício ou estimulação tetânica (50 Hz). Os anticorpos contra os canais de cálcio também podem ser dosados.

► Os estudos de estimulação nervosa repetitiva, o teste do Tensilon® e a dosagem dos anticorpos contra os receptores de acetilcolina são exames complementares úteis na confirmação diagnóstica da MG. Entretanto, todos eles possuem limitações e a interpretação dos resultados deve sempre ser correlacionada com a clínica.

► Resultados falso-positivos da estimulação nervosa repetitiva podem ocorrer por fatores técnicos ou em outras doenças neurológicas. Artefatos de movimento durante a estimulação repetitiva podem causar resposta decremental, particularmente nos músculos faciais e no trapézio. Por isso, o teste deve ser realizado com a máxima cooperação do paciente e os resultados devem ser checados mais de uma vez para garantir sua confiança. Resposta decremental semelhante à vista em MG também pode ser vista em algumas miopatias, outras doenças da junção neuromuscular e na doença do neurônio motor (ELA). Por outro lado, algumas vezes o resultado pode ser falso-negativo, principalmente em pacientes com miastenia gravis ocular isolada.

► O teste do Tensilon® consiste na administração de edrofônio, um anticolinesterásico de ação rápida. Os pacientes com MG geralmente apresentam importante melhora da força muscular após sua administração, com duração de alguns minutos e retorno à linha de base. O teste é positivo em 90% dos pacientes com MG generalizada, mas também pode ser positivo em outras doenças, como paralisias dos nervos cranianos e outras doenças da junção neuromuscular. Há relatos de falso positivo em pacientes com doença do neurônio motor. Também pode ocorrer falso negativo, principalmente nas formas oculares.

► Os anticorpos contra os receptores da acetilcolina são sensíveis e específicos para MG e são positivos em até 90% dos pacientes com MG generalizada. Esse número cai para 50% nos pacientes com a forma ocular. Todos os pacientes com timoma apresentam elevação dos anticorpos. Muito raramente os anticorpos podem ser detectados em pacientes com cirrose biliar primária, lupus eritematoso sistêmico, esclerose lateral amiotrófica, administração de penicilamina, história de transplante de medula óssea e pacientes com timoma sem MG. Eventualmente, todos esses pacientes podem desenvolver MG posteriormente.

► A síndrome da fadiga crônica pode ser confundida com MG devido à presença de fadiga intensa. Nessa doença, a fadiga deve estar presente por pelo menos 6 meses e deve estar associada com pelo menos 4 dos 8 sintomas seguintes: cefaléia, insônia, dificuldade de concentração e memória, dor de garganta, artralgia, dor no pescoço, cansaço excessivo pós- exercício e mialgia. Outra doença semelhante que deve ser considerada no diagnóstico diferencial é a fibromialgia. Nenhum sintoma ocular ou bulbar está presente nessas doenças. Os estudos de condução nervosa e a EMG de agulha são normais. O teste do tensilon é negativo e os anticorpos contra os receptores de acetilcolina são ausentes.

Comentários:
Distrofia muscular oculofaríngea!!!!!!

Alexandre
 
Esse caso tive de pesquisar mesmo.. não tinha a menor idéia, mas acabo concordando com o Alexandre de ser Distrofia muscular oculo-faríngea (uma das formas de OECP - oftalmoplegia extensa crônica progressiva) por ter iniciado quadro após 5a década de vida, associaçao hereditária (herança autossômica dominante), ptose bilateral associadda a disfagia, porém sem comprometimento das musculaturas inervadas pelo trigêmio, nem das musculaturas da cintura escapular e pélvica. O procedimento diagnóstico realizado é a eletroneuromiografia e a biópsia do músculo mostra padrão miopático.
Quero ver um clínico geral fazer esse diagnóstico sem pesquisar..
 

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